Oi, filho,
Estamos nos aproximando do seu 2º Natal e você já sabe que celebramos nesta data o nascimento do menino Jesus. Obviamente as implicações deste fato ainda não fazem sentido pra você, mas me enche de orgulho te ouvir dizendo que o Natal é o nascimento do menino "Duduz" :)
2016 foi um ano intenso e marcado por acontecimentos que, para muita gente, eram considerados inacreditáveis até então. Impeachment presidencial, denúncias infindáveis envolvendo quase a totalidade dos partidos políticos brasileiros, ataques terroristas intensificados, eleição de Donald Trump, bombardeios cujos principais alvos eram mulheres e crianças, queda de avião por falta de combustível, etc.
Neste cenário em que a tragédia parece imperar, amargamos ainda a perda do Rev. Elben César, dr. Russell Sheed e Dom Paulo Evaristo Arns! Homens raros dos quais o mundo não era digno e que certamente farão muita falta nesses tempos sombrios em que tanto carecemos de exemplos de pessoas cuja prática de vida seja coerente com aquilo que professam.
O cenário político no país da propinocracia vai de mal a pior. Como se não bastassem as infindáveis denúncias de corrupção que engolfam os líderes das casas legislativas chegando até o presidente da República, ainda temos de lidar com a aprovação de emendas e reformas de um governo que não teve seu programa aprovado nas urnas e que a cada dia dá claros sinais de que sua maior preocupação é sair impune das falcatruas cometidas durante anos. Diante de tamanha incongruência, vive-se uma perplexidade geral.
Sérgio Rodrigues elegeu "falência" como palavra do ano no Brasil, já que, segundo o colunista da Folha, vivemos essa falência "mais ampla –política, institucional, moral– que tira a razão de todos". Ao referir-se à aprovação da malfadada PEC 55 na terça-feira, 13, Rodrigues disse ainda que aqueles que a aplaudem "correm o risco de pôr na cabeça o chapéu cônico de burro por acreditar que, nas mãos das quadrilhas que nos governam, ela será usada para construir um país mais responsável e não para aguçar a perversidade social dos privilégios de sempre".
Palavras duras, porém tão verdadeiras.
Clóvis Rossi, também da Folha, foi ainda mais enfático ao denunciar a bancarrota da humanidade. Ao comentar os chocantes bombardeios em Aleppo e as terríveis imagens que os sucederam, Rossi afirmou com todas as letras que "Aleppo foi o túmulo da humanidade".
Aqui, peço licença para discordar do estimado colunista, já que, para aqueles que acreditam na narrativa bíblica e concordam com a cosmovisã cristã de mundo, o túmulo da humanidade se deu no próprio Éden.
O cenário pós-queda sempre foi marcado por todo tipo de tragédias e crueldades. O primeiro homicídio descrito na Bíblia é encontrado em Gênesis 4 e é praticado por um irmão contra o outro. Depois disso as coisas pioram exponencialmente. Lameque, descendente de Caim, era um homem tão mau, cruel, perverso e ímpio que seria capaz de chocar até os jihadistas do Estado Islâmico.
À medida em que progredimos na leitura da narrativa bíblica, nos deparamos com todo o tipo de barbaridade. O livro de Juízes nos arranca lágrimas de tristeza e perplexidade do início ao fim ao descrever cenas trágicas e crimes hediondos cometidos premeditadamente e à sangue-frio. Quando nos aventuramos a ler as Lamentações atribuídas ao profeta Jeremias nos deparamos com um cenário ainda mais aterrador. Nas palavras de Eugene Peterson "o canibalismo e o sacrilégio eram horrores gêmeos que percorriam as ruas da destruída Jerusalém. O pior que pode acontecer ao corpo e ao espírito, à pessoa e à nação aconteceu ali - o fundo do poço do sofrimento".
E para quem pensa que progresso e civilização são as respostas para conter a maldade crônica da humanidade, basta observar a inércia das superpotências para colocar um fim à guerra da Síria ou pesquisar na História os infindáveis exemplos de abusos e crimes de guerra cometidos por países "civilizados" ou então lembrar-se do atirador norueguês que fez quase uma centena de vítimas em um dos países cujo IDH está entre os mais altos do mundo.
A maldade humana é intrínseca e se manifesta das mais diversas formas. Ao observarmos nosso mural do facebook ou as conversas dos incontáveis grupos de whatsapp nos deparamos diariamente com todo tipo de crueldade. O aniquilamento do outro vai muito além do assassinato, filho.
Somos homicidas natos.
Onde então devemos firmar nossos olhos para não perdermos a esperança?
Ora, se a narrativa bíblica é cheia de histórias dignas de filmes hollywoodianos de terror, ela também transborda de Graça. Somos a todo o tempo lembrados de que, embora o mal que há no mundo signifique ausência de Deus e a total alienação do ser humano em relação ao seu Criador, Deus nunca deixou de se importar conosco e bolou um plano milagroso para nos resgatar.
E neste contexto celebrar o Natal se torna algo infinitamente mais importante e grandioso do que nossas ceias em família (por mais gostosas e aconchegantes que elas possam ser). Neste Advento, seu pai e eu temos sido renovados diariamente por uma esperança que não tem suas raízes fincadas em nada que a cidade dos homens possa oferecer. Graças a Deus por isso, porque neste cenário em que a cidade dos homens dá sinais de que a ruína total pode chegar a qualquer momento, virar-se para a cidade de Deus é a única coisa que nos dá motivação para continuar caminhando, e esperando.
E pelo quê esperamos, filho?
Esperamos ansiosamente pelo dia em que:
"O lobo viverá com o cordeiro, o leopardo se deitará com o bode, o bezerro, o leão e o novilho gordo pastarão juntos; e uma criança os guiará. A vaca se alimentará com o urso, seus filhotes se deitarão juntos, e o leão comerá palha como o boi. A criancinha brincará perto do esconderijo da cobra, a criança colocará a mão no ninho da víbora. Ninguém fará nenhum mal, nem destruirá coisa alguma em todo o meu santo monte, pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor como as águas cobrem o mar." [Isaías 11:6-9]
Neste mesmo dia "Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas." [Apocalipse 21:4]
E nossa espera envolve pranto pela condição em que nos encontramos e também pelo sofrimento que se abate sobre tantos. Mas ela também envolve riso porque um dia toda a maldade terá fim.
Nossa espera implica em ceticismo em relação à cidade dos homens, mas ela também envolve engajamento na luta por justiça porque Jesus já inaugurou seu Reino entre nós.
Nessa espera lamentamos a falência moral e institucional e o descrédito das autoridades que nos governam, mas também nos lembramos de que toda a autoridade pertence a Jesus e que "o governo está sobre os seus ombros." [Isaías 9:6]
Por isto neste Natal nós celebramos, filho. E nossa celebração é autêntica, genuína, sincera e bem-fundamentada.
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