Filho,
Hoje o dia começou ainda antes do sol raiar já que eu precisava fazer exames de sangue em jejum. O tempo que sobrou da manhã após as longas horas de espera no laboratório foi usado para resolver uma pendência mega importante: a compra do seu berço. Ao chegar em casa devaneando sobre o seu quartinho após a compra do móvel principal, gastei horas e horas e horas da tarde lendo sobre enxoval de bebês, como criar um ambiente seguro, prós e contras dos kits-berço (descobrindo inclusive que são contra-indicados pela Sociedade Brasileira de Pediatria), etc... Durante a noite a maratona "gestante-futuramamãe" continuou a todo vapor, já que hoje é dia do curso de preparo físico para o parto normal, oferecido pela Unimed.
Cheguei em casa com todo gás para continuar minhas pesquisas sobre enxoval. É que depois de finalmente começar, deu uma vontade louca de finalizar a montagem e a decoração do seu quartinho. Isso aumenta a sensação da sua chegada iminente, entende? Mas, como nem tudo na vida se resume à vida de gestante, decidi trabalhar um pouquinho. E aí veio a parte tensa do dia.
Meu trabalho de jornalista home-office envolve a leitura diária de notícias nacionais. E filho, é cada coisa indigesta com a qual a gente se depara nesse simples exercício, não? Meu primeiro baque começou com a notícia de que o Estado Islâmico anunciou ter queimado vivo o piloto jordaniano que mantinha como refém. Pára tudo! Todo mundo sabe que os jihadistas do Estado Islâmico têm humanidade de menos e crueldade demais (algo demoníaco mesmo), mas daí queimarem uma pessoa viva? Me coloquei no lugar da esposa desse cidadão e já comecei a sentir um nível de dor e desespero quase enlouquecedor.
A maratona de notícias pesadas não parou por aí. Relatório da ONU apontou que desde a década de 1980 pra cá o número de assassinatos de jovens no Brasil aumentou quase 200%. E como era de se esperar, os jovens negros são os protagonistas desta brutalidade. Nascidos para morrer antes dos 30, essa é a sina de boa parte dos nossos jovens. E tem gente que, diante disso tudo, ainda defende a redução da maioridade penal. Não sei o que me assusta mais nesse país.
Dando prosseguimento à sessão de terror da noite, reparei no tanto de notícias que falam sobre a crise hídrica em São Paulo. E aí sim aquela sensação de "Fim dos Dias" não tardou a se apoderar de mim. A coluna de ontem da Eliane Brum faz uma análise profunda e extremamente doída sobre o assunto. Ao lê-la a vontade que sinto é de sentar e chorar.
Chorar pela degradação do planeta que continua a passos largos apesar de todos os indícios de que seremos nós, os principais algozes, os mais prejudicados.
Chorar pela humanidade caída, perdida, consumista, egoísta, maldosa e extremamente cruel.
Chorar pelo desamparo daqueles que já nascem marcados para morrer.
Chorar pelo seu futuro incerto em um mundo caótico, filho.
Às vezes sinto um medo enorme se apoderar de mim. Quase uma acusação por trazer um ser humano a um mundo louco como esse. Mas aí, acontece uma ou outra coisa que renova a esperança, sabe? Tipo aqueles cheiros de comida de vó que nos lembram das férias da infância ou uma música muito querida que nos transporta para um momento especial.
Hoje esse momento de renovo se deu no supermercado. É que depois de sair do curso do parto passei no mercadinho aqui do bairro porque estávamos quase à pão e água. Meu mau-humor já começou no estacionamento apertadíssimo e só piorou quando eu constatei que a mercado estava lotado. Ao chegar na fila do ÚNICO caixa preferencial, fiquei ainda mais irritada com o tamanho da fila. Mas aí aconteceu aquilo que me pegou de surpresa. O casal de idosos que estava na minha frente começa a conversar sobre a presença de uma gestante na fila e decide que eu devo passar na frente. Muito constrangida eu recuso dizendo: "Imagina, vocês é quem devem ir primeiro". Ao que o senhor me responde: "Você vai, afinal, o bebê merece respeito".
Saí de lá com um aperto na garganta diante da demonstração de tanta gentileza. A gente se acostuma tanto à falta de cortesia e cuidado com o próximo que se admira quando se depara com gente que ainda não deixou de ser gente.
Aí eu me lembro que no começo tudo foi criado de forma perfeita. Seres humanos e animais conviviam de forma pacífica em um lindo jardim. Homem, mulher, bicho, árvores, tudo coexistindo na mais perfeita paz e harmonia. Além de tudo isso, a presença visível do Criador enchia esse ambiente e dava significado à existência de tudo e todos.
Todos sabemos que algo deu muito errado e de lá pra cá todas essas tragédias tomaram o palco. Mas elas não têm o papel principal. Desde que o mal entrou no mundo, veio com ele uma promessa de restauração e o início dessa tal restauração já foi dado quando o Filho veio ao mundo e inaugurou aqui o seu Reino.
Meu principal desafio é enxergar o Reino em meio a todas essas tragédias. Preciso me lembrar todos os dias que elas não protagonizarão o último ato. Assim sendo, não é para este mundo que trago um novo ser humano, mas para um mundo cheio de amor, esperança, alegria e significado.
Lembro-me das palavras de Aslam para as crianças na última das crônicas de Nárnia: "Acabaram-se as aulas: chegaram as férias! Acabou-se o sonho: rompeu a manhã!".
Pode ser que demore um pouco pra que a manhã finalmente rompa, filho. Mas tenho certeza de que quando acontecer, tudo terá valido a pena. O narrador de Nárnia continua: "Para nós, este é o fim de todas as histórias, e podemos dizer, com absoluta certeza, que todos viveram felizes para sempre. Para eles, porém, este foi apenas o começo da verdadeira história".
Que nossas vidas aqui sejam marcadas pela Esperança.
Um comentário:
Coisa mais linda tudo que escreve!! É admirável prima, que Deus continue te dando capacidade e paciência (rsrs) todos os dias pra compartilhar um pouquinho com a gente.
Um beijo!!
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